Desenhar mapas. Velhos e prazerosos hábitos que esquecemos. |
Todos os finais de semana reuniam-se em volta de uma mesa, e utilizando-se de diagramas estranhos, pequenos sólidos geométricos com inscrições indo-arábicas gravadas em cada face e muita encenação, faziam representações de outros tempos, outras realidades, outras pessoas. Inclusive, em vários momentos falavam como se fossem essas outras pessoas. Tudo o que faziam era ditado por diretrizes cuidadosamente escritas em um grande tomo ao mesmo tempo que eram guiados pelo líder, que ditava o passo da "reunião" e era chamado respeitosamente de MESTRE pelos seus companheiros. Nada mais apropriado para um ser que detém poderes infinitos, podendo moldar a realidade e toda estrutura do espaço-tempo, dobrando todos os paradoxos a seu cruel prazer.
Essa foi minha primeira impressão da primeira sessão de RPG da minha vida.
Não tenho nem como começar a falar como o RPG realmente se tornou uma atividade que ajudou a desenvolver minha criatividade, minha escrita, leitura e o gosto por ficção científica, horror, fantasia e pasmem até matemática, física e química!
Claro que fui inúmeras vezes chamado de satanista, infiel e adorador do tinhoso e ainda várias vezes acusado de proferir alianças nefastas com demônios kahndarianos, mas isso tudo é assunto para outros posts... A questão deste post de retorno do Egoísmo é fazer uma breve análise (beeem breve) e dar algumas dicas, aos jovens e incautos novos (ou não tão velhos como eu) jogadores e mestres que desejam um sistema interessante para realizar a lúdica, salutar e divertidíssima atividade que é o RPG.
Old Dragon
Carinhosamente chamado pelo Mestre Tio Nitro como "Dragão Véio", o Old Dragon é um sistema brazuca Old School de se jogar RPG, baseado em cenários de fantasia medieval. Foi criado pelo Mr. Pop e o pessoal da RedBox e chegou com o intuito de manter o clima de "Role Player" do RPG. Afinal, (apesar de existir quem goste) a evolução de certos sistemas comerciais "fechados" (cof cof cof D&D) mostraram uma absurda e travada mecânica de jogo, no qual as Regras se sobrepõem ao que é divertido, ou seja, à interpretação e à improvisação.
O sistema funciona como as primeiras edições do D&D (mais próximo do AD&D no meu ver) com o tradicional sistema d20, porém, sem as travas e algemas de sistemas de regras absurdos com a necessidade de hercúleos testes para o personagem conseguir levantar uma simples pedra (cof cof cof D&D).
Improviso (como em toda boa partida RPG e todo bom Mestre deve saber fazer) é o que manda e as regras podem ser adequadas e até criadas. O que o Old Dragon te mostra é uma TRILHA e não um TRILHO.
Suplementos, regras alternativas e até alguns cenários e aventuras interessantes podem ser encontradas para download no site da RedBox/Old Dragon.
O custo do Old Dragon (módulo básico e único) se encontra bem abaixo do custo do material de RPG que encontramos no mercado, tornando-o bem acessível.
O sistema tem sido muito bem cotado entre os jogadores novos e muito elogiado pelos antigos (este que vos escreve adotou Old Dragon sem pestanejar para sua campanha no cruel e misterioso mundo fantástico de Zarios).
A flexibilidade do sistema nas mãos de mestres "velhos" como nós é algo muito bem vindo.
Além disso, por possuir a licença Creative Commons, permite que você (sim você!!) possa produzir material oficial para o sistema. É só ver como funciona no site do Old Dragon.
Quer jogar, mas ainda não quer pagar? Não tem a certeza de que você irá gostar, seu grupo irá se adaptar, ou se o investimento vai/não vai valer a pena? Ué, sem problemas... Baixe gratuitamente o fast play e veja as regras. Sim. Veja. As. Regras. E teste o sistema. Jogue antes de comprar. Se gostou, compre, e incentive a RedBox a continuar fazendo RPG nacional de qualidade.
Baba ovo do caralho esta mini-resenha hein... mas o sistema é bom mesmo, e o Egoismo não ganha nada com isso, apenas a divulgação de um produto de ótima qualidade, feito por jogadores de RPG para jogadores de RPG, que não trata o consumidor igual a um imbecil (cof cof cof D&D)...
Para maiores dicas da mecânica, de criação de personagem e de como funciona o sistema, veja esse vídeo e depois veja esse.
3:16 - Carnificina entre as Estrelas
Nem só de fantasia medieval vive o mundo "rpgístico". Quem aqui nunca pulou na frente da tela da TV enquanto os troopers do sádico e violento "Tropas Estelares" explodiam alguns insetos interplanetários, ficou horas e horas em frente ao computador destruindo protoss, zergs e levando os terrans à gloriosa vitória em Starcraft ou ainda, quem nunca encarnou o Master Chief, chutou algumas bundas dos Covenant e ajudou a salvar a galáxia em Halo?
A Guerra, sempre é um background que gera aventuras épicas em RPG, mas GUERRAS INTERPLANETÁRIAS são ainda mais "pirocudas", devido justamente ao fator TUDO PODE ACONTECER.
3:16 é um sistema de RPG escrito pelo escocês Gregory Hutton e editado aqui no Brasil pela RETROPUNK, justamente com esse background "platoon sci-fi" e que ganhou meu amor (e do meu grupo) pela simplicidade, flexibilidade e diversão. Uma ficha de personagem, por exemplo, é elaborada em menos de 5 minutos!
Você pode interpretar a genérica "Força Expedicionária" que leva a "justiça terrestre" ao cosmos, matando, massacrando e pilhando qualquer criatura, alienígena ou forma de vida que vê pela frente (mostrando o background "xenofóbico" de Tropas Estelares) ou criar / adaptar um cenário espacial que seja de escolha do mestre. Vi rodando pela "internets" afora até uma bem legal adaptação de Starcraft.
O sistema é rápido, enxuto e bem dinâmico. Seu "módulo básico" é clean e caprichado, mostrando o sistema de atributos (apenas 2), como utilizar os d10 requeridos pelo sistema para testes, como utilizar os itens e armaduras, mecânicas e afins. A flexibilidade aqui é o que conta também. O sistema permite customizações pelo mestre para que se adapte à sua campanha, cenário ou história, tudo é claro com esse pano de fundo intergalático.
Os personagens não irão criar suas histórias e backgrounds pessoais antes da sessão de jogo, ela é criada DURANTE o jogo por habilidades dos jogadores que quando usadas, engatilham um flashback do personagem que é inventado, interpretado e narrado pelo próprio jogador. Como nos filmes de guerra, tal flashback (bom ou ruim) permite que o personagem consiga escapar de uma situação complicada, com ou sem consequências para o grupo (dependendo se a lembrança for boa ou ruim). Esse "dispositivo" de lembranças, permite que o jogador ao mesmo tempo vá criando dinamicamente sua "história anterior" dentro do jogo, interprete seu personagem e ainda use uma habilidade (ou "poder") para conseguir alguma proeza em combate.
Por falar em combate, o combate em 3:16 é realmente interessante. As inúmeras criaturas que podem existir, limitadas apenas pela imaginação do mestre, são representadas por "marcadores de ameaça alienígenas". Cada marcador representa uma quantidade variada de criaturas que são determinadas após o combate (através de rolamento de dados) com o intuito de "contagem de corpos". Os marcadores dos jogadores são colocados em 3 distancias (longa, média e curta) sempre em relação aos marcadores das criaturas. E é aí que o combate se torna algo como um jogo de tabuleiro dinâmico e estratégico, com rolagens de dados pelo mestre e pelos jogadores, a escolha de ações, posicionamento e é claro, a interpretação.
O mestre, pode também (e recomendo) customizar as regras de combate para "chefões" e "subchefes"... ou será que os jogadores acham que a aquele verme marinho gigante possui o mesmo número de marcadores que seus "minions" bucha de canhão?
Aliás pela simplicidade do sistema recomendo aos mestres a utilizarem também o 3:16 como iniciação ao RPG a pessoas que nunca jogaram, bem como, realizar aventuras em eventos de RPG pela sua dinâmica rápida e mecânica descomplicada. Vale apontar também o preço do sistema, acessível para qualquer jogador que esteja com "problemas no bolso". Para iniciantes e iniciados, é uma boa pedida de sistema.
E diga ao Cabo Stick que aquele asqueroso muco de octopóide espacial deve ser limpo antes da extração do pelotão, ou ele irá escovar latrinas até Alfa Centauri!
Rastro de Cthulhu
"Parecia ser uma espécie de monstro, ou um simbolo representando um monstro, de uma forma que só uma imaginação doentia poderia conceber. Se eu disser que a minha imaginação um pouco extravagante produzia simultaneamente a figura de um polvo, um dragão e uma caricata humana, eu não seria fiel ao espírito da coisa. Uma cabeça polpuda e cheia de tentáculos em cima de um corpo grotesco e escamoso com asas rudimentares. Mas essa era apenas a silhueta da figura, que a tornava ainda mais assustadoramente chocante."
- O Chamado de Cthulhu
Não vou discorrer aqui o quanto a obra de H.P. Lovecraft influenciou minha maneira de enxergar a ficção de horror, o desconhecido, o medo e, porque não, o mundo. Quem já leu pelo menos um ou dois de seus contos já ficou com o "boguinha" na mão e sabe do que eu falo. Aliás, os "mythos de cthulhu" (leio CÚ - TÚ - LU) criado por Lovecraft (e depois desenvolvido por outros autores) é um dos backgrounds de horror e suspense mais sensacionais, aterrorizantes e geniais que existem na singela opinião deste que vos escreve. O panteão de deidades, seres antigos, extraterrestres, monstros e criaturas que se arrastam na escuridão levando literalmente os pobres e ignorantes seres humanos à loucura são o fino trato do horror, influenciando inclusive outras obras literárias, cinema, quadrinhos e games da cultura mundial.
E como não poderia ser diferente, o mundo do RPG recebeu TRINTA anos atrás o primeiro sistema baseado na obra de Lovecraft. O foderoso, pirocudo e legendário Sistema Call of Cthulhu da editora americana Chaosium, que atualmente está em sua 6ª edição (uma resenha exclusivamente deste sistema de regras, no futuro).
E é aí que começa uma história digna de Lovecraft:
A eons e eons atrás, uma editora brasileira que não falaremos o nome (mas começa com DE e acaba com VIR) encontrou em uma escavação nas escarpas geladas da Romelândia, um macabro artefato rúnico (da civilização alienígena Ythiana) que concedia ao seu detentor os direitos de publicarem Call of Cthulhu no Brasil. Radiantes com tamanho poder concentrado em um único artefato, rapidamente no começo dos anos 90 a editora em questão iniciou a tradução da 5ª edição do sistema... mas por algum motivo que apenas os detetives de alguma aventura pulp conseguiriam descobrir, ele nunca foi publicado! Pulemos algumas dezenas de anos e encontramos esse tipo de notícia...
Realmente existe algo muito sinistro por trás de tudo isso... Será que o Grande Old One Cthulhu "himself" está dominando as mentes dos editores da
Mas enfim, os pobres Mestres Brasileiros que não se davam muito bem com a língua inglesa (shame on you!!) ou simplesmente não queriam gastar mais por um produto importado, ficaram presos à sistemas genéricos para poder realizar suas crueldades lovecraftianas contra seus pobres jogadores. O mestre que quisesse lançar seus jogadores ao horror cósmico e brutal de Call of Cthulhu teria mesmo que importar o livro (da Chaosium) da gringolândia...
Até chegar o ano de 2010/2011.
A Retropunk, novamente sai na frente de tudo e de todos e em uma ousada (e bem vinda) jogada traduziu o ÓTIMO sistema TRAIL OF CTHULHU que nas terras tupiniquins foi carinhosamente (e corretamente) batizado de RASTRO DE CTHULHU, escrito por Keneth Hite (que é um fanzaço do mythos) e adaptado para o sistema GUMSHOE criado pelo game designer Robin D. Laws.
Rastro de Cthulhu não é um substituto para Call of Cthulhu a meu ver (que é basicamente o sistema BRP). Por utilizar o ótimo sistema GUMSHOE, Rastro de Cthulhu fornece uma outra opção para jogar com os cenários lovecraftianos.
O GUMSHOE é um sistema que se baseia na investigação, coleta e interpretação de pistas pelos jogadores, sendo uma alternativa perfeita para jogadores e principalmente mestres mais maduros.
Explico: o sistema é claro utiliza-se da flexibilidade e improviso que todo bom mestre deve dominar, mas a preparação anterior à aventura deve ser no mínima digna de um escritor de mistério. Os jogadores devem ser também maduros para entrarem no clima e prepararem seus personagens com bastante detalhe (inclusive os detalhes influenciam as habilidades que eles venham a ter "in-game"). Afinal, você não quer mestrar uma aventra basicamente cerebral e focada no clima, intuição e suspense (claro, com alguma ação) para uma trupe de garotos(as) que só gosta de explodir coisas, pilhar e decepar cabeças.
No sistema, não há atributos e sim apenas habilidades que são divididas em Investigativas e Gerais. Para cada um dos dois grupos de habilidades existem regras diferentes. Só rolamos os dados (um único dado de seis faces é usado no jogo para os testes) para as habilidades gerais. Afinal, segundo o sistema "o jogador não precisa se preocupar em ENCONTRAR uma pista, mas sim em O QUE FAZER COM ELA". Assim, o sistema evita o que muitos outros sistemas possuem: da sessão "travar" porque os jogadores não conseguem encontrar uma pista ou informação importante. O que não quer dizer que achar a pista significa saber como ela se encaixa com as outras encontradas. Aí que entra a diversão.
Esse simples direcionamento é genial e vale cada hora investida lendo e se preparando para as aventuras (tecendo um enredo para aventura interessante e uma teia de pistas que formem um "quebra cabeças" para os jogadores decifrarem).
A diagramação do livro feita pela Retropunk é nota 10 e o preço é mais salgado que os sistemas acima, porém bem menos do que UM dos QUATRO livros "obrigatórios" para se jogarem outros sistemas... (cof cof cof D&D).
Como no sistema da Chaosium, "Rastro" possui um forte foco na "Sanidade" dos personagens, afinal, ver um molusco gigante sugar todo líquido da pobre criancinha que estava no berço, realmente deveria levar alguém a loucura, porém não só de perda de sanidade os personagens sofrem, e diferente de "Call" o "Rastro" possui a questão da "Estabilidade", que a grosso modo é o impacto de coisas menores no ser humano normal, como encontrar cadáveres, testemunhar assassinatos ao vivo, participar ou ser uma das vitimas de cultos com sacrifícios, presenciar a morte de amigos e familiares, etc...
A descrição do Mythos é bem rica por parte de Hite, não devendo quase nada ao livro da Chaosium. Como o próprio Lovecraft deixou as criaturas para a interpretação do leitor, muitas vezes dando informações contraditórias sobre elas em vários de seus contos, Hite mostra as várias opções e facetas que um mesmo elemento do Mythos pode ter, dando ao Mestre uma gama muito grande de idéias flexíveis para suas artimanhas nefastas e o uso destes elementos no jogo.
Para uma resenha completa e bem interessante sobre o sistema Rastro de Cthulhu e o sistema GUMSHOE, recomendo esta, do fantástico blog "Mundo Tentacular".
Agora me digam: vocês olham para essa imagem de um futuro suplemento de Rastro de Cthulhu, e não ficam com àgua na boca?
Iä!! Iä!!
Até a próxima.
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